“Eu quero falar sobre um pobre homem rico. Ele tinha dinheiro e posses, uma esposa fiel para beijar e afastar as preocupações dos negócios e um bando de crianças de dar inveja até ao mais pobre dos seus empregados. Tudo em que pôs suas mãos prosperou e por isso ele era amado por seus amigos. Mas hoje tudo é muito diferente. Contarei como isso ocorreu.
Um dia este homem falou para si mesmo: “Você tem dinheiro e posses, uma esposa fiel, um bando de crianças de dar inveja até ao mais pobre dos seus empregados, mas você está realmente feliz? Você vê que existe pessoas que não têm nenhuma dessas coisas pelas quais é invejado, mas suas preocupações são totalmente apagadas por um grande mágico: Arte! Mas o que é arte para você? Você sequer sabe o nome de um artista. Qualquer esnobe poderia bater à porta e seu servo iria pô-lo adentro. No entanto, você nunca recebeu Arte! Com certeza ela nunca viria. Mas agora eu vou chamá-la. Deverá ser recebida em minha casa como uma rainha que veio morar comigo.”
Ele era um homem poderoso, realizava com grande energia qualquer coisa que assumisse. Era sua maneira habitual de fazer negócios. E assim, no mesmo dia foi a um famoso arquiteto de interiores e disse: “Traga-me Arte, Arte sob meu próprio teto! Dinheiro não importa!”
O arquiteto não precisou ouvir duas vezes. Ele foi até a casa do homem e imediatamente jogou fora todos os seus móveis. Lá deixou trabalhando pintores, pedreiros, serralheiros, carpinteiros, instaladores, oleiros escultores etc.
Você nunca viu os gostos de Arte que foram capturados e tão bem tratados em cada canto da casa do homem rico.
O homem rico ficou radiante. Entusiasmado, passou pelas novas salas. Arte por toda parte! Arte em tudo e qualquer coisa. Quando segurou uma maçaneta, segurou Arte. Quando se afundou em uma cadeira, se afundou em Arte. Quando esticou seus ossos cansados sob o travesseiro, ele se esticou em Arte. Seus pés afundaram em Arte quando ele andou pelo tapete. Ele se entregou à Arte com fervor escandaloso. Desde que seus pratos foram artisticamente decorados, ele cortou seu bife à l’oignon com muito mais energia.
As pessoas o elogiavam e invejavam. As revistas de Arte glorificavam seu nome como um dos principais patronos das artes. Suas salas foram usadas como exemplos para o público, estudadas, descritas, explicadas.
Valeu a pena. Cada quarto era uma completa sinfonia individual de cores. Paredes, móveis e tecidos foram feitos sofisticadamente em perfeita harmonia uns com os outros. Cada aplicação teve seu próprio lugar, e estava ligada as outras, em combinações maravilhosas.
O arquiteto nada esqueceu, absolutamente nada. Tudo desde o cinzeiro e talheres até o porta-velas havia sido combinado e relacionado. Não foi uma obra banal de arquitetura. Em cada ornamento, em cada forma, em cada detalhe a individualidade do proprietário podia ser encontrada (um trabalho psicológico de tais complicações deixava isso claro para qualquer um).
O arquiteto recusou modestamente todas as honras, dizendo apenas: “Essas salas não são para mim, lá no canto está uma estátua do Charpentier. Da mesma forma que alguém me desagradaria caso afirmasse ter projetado uma das salas apenas por usar uma de minhas maçanetas, tão pouco como posso eu reivindicar estes quartos como projetos meus?” Isto foi nobre e conseqüentemente dito. Muitos carpinteiros que, talvez, usaram um papel de parede de Walter Crane e queriam o crédito pelos móveis porque eles haviam criado e executado, ficaram envergonhados nas profundezas de suas almas negras, por como puderam aprender esta palavra.
Após tergiversarmos, voltemos ao nosso homem rico. Já havia dito como ele estava radiante. A partir daí dedicou grande parte do seu tempo ao estudo da sua habitação. Tudo estava por aprender; percebeu isto bastante cedo. Havia muito a ser notado. Cada coisa teve seu lugar definido. O arquiteto fez o melhor para ele. Pensou tudo com antecedência. Havia um lugar definido mesmo para a menor situação, feito especialmente para isto.
A casa era confortável, mas era um rígido trabalho mental. Nas primeiras semanas o arquiteto inspecionou o dia-a-dia da família, de modo que nada incorresse em erros. O homem rico empenho-se duramente. Ainda assim houve quando ele pôs sem pensar um livro no classificador indicado para os jornais. Ou quando bateu a cinza do charuto no espaço do castiçal. Se pegava algo, a infinita procura pelo lugar certo de devolvê-lo começava. Às vezes o arquiteto tinha que consultar as plantas para redescobrir o lugar correto da caixa de fósforos.
Quando se vivencia experiências de arte aplicada, a música não pode ficar para trás. Essa idéia manteve o homem rico bastante ocupado. Ele sugeriu à companhia de bondes substituir o toque sem sentido dos sinos dos trens pelo toque dos sinos da Parsifal. Não houve concessão. Obviamente eles não estavam preparados para um conceito tão moderno. No entanto, assumindo os custos, foi autorizado a alterar o calçamento em frente a sua casa, de modo que os carros passassem ao ritmo da Marcha Radetzky. Até a campainha da sua casa ganhou novos arranjos de Wagner e Beethoven. Todos os críticos de arte competentes se enchiam de elogios ao homem que abriu um novo espaço de “arte como commodity”.
Pode-se imaginar que todas essas melhorias tornariam o homem mais feliz.
Porém não podemos esconder o fato de que ele tentava permanecer em casa o mínimo possível. Agora e mais tarde era preciso um descanso de tanta arte. Você conseguiria viver em uma galeria de arte? Ou sentar por meses com Tristão e Isolda? Quem poderia culpá-lo por juntar forças em restaurantes, cafés, com amigos e conhecidos antes de enfrentar sua própria casa? Ele esperava algo diferente. Mas a Arte exige sacrifício. Ele sacrificou muito, seus olhos se enchiam de lágrimas. Ele pensou em todas as velharias que guardava com tanto carinho e foram jogadas fora. A poltrona! Todo dia seu pai fazia nela a sesta. O velho relógio, os quadros antigos! Arte exige isso! Não se lamente!
Certo dia comemoraram seu aniversário. Sua esposa e seus filhos lhe deram muitos presentes. Ficou muito contente com todos eles, trouxeram muita felicidade e alegria. Mais tarde o arquiteto apareceu, com seu direito de verificar a colocação dos objetos e responder perguntas complicadas. Ele entrou na sala. O homem rico, que tinha muitas preocupações em sua mente, veio cumprimentá-lo calorosamente.
O arquiteto não percebeu a felicidade do homem rico, mas descobriu alguma coisa que tirou a cor do seu rosto. “Por que você está com essas sandálias?”, perguntou.
O dono da casa olhou para as sandálias bordadas e suspirou de alívio. O calçado fazia parte do projeto original do próprio arquiteto. Desta vez ele se sentiu inocente. Respondeu pensativo:
“Mas senhor Arquiteto! Esqueceu-se? Você mesmo projetou essas sandálias!”
“Certamente!” trovejou o arquiteto. “Mas eles são para o quarto! Com peças dessa cor você destrói toda a atmosfera. Não percebe?”
O homem rico tirou as sandálias imediatamente. Ficou extremamente satisfeito pelo arquiteto não achar suas meias ofensivas. Entraram no quarto, onde o homem rico estava autorizado a pôr as sandálias de volta.
“Ontem”, começou timidamente “eu comemorei meu aniversário. Minha família me deu toneladas de presentes. Mandei chamá-lo de modo que pudesse nos dar conselhos sobre onde devemos colocar todas as coisas novas”
O rosto do arquiteto ficou visivelmente maior. Em seguida, soltou:
“Como se atreve a receber presentes? Eu não desenhei tudo para você? Não tenho tomado conta de tudo? Você não precisa de mais nada. Você está completo!” “Mas” o homem rico respondeu “eu deveria ser autorizado a comprar as coisas.”
“Não, você não está autorizado, nunca, jamais! Era só o que me faltava! coisas! que não foram desenhadas por mim! Eu não fiz o bastante, eu não pus o Charpentier aqui para você? Essa estátua que rouba toda a fama do meu trabalho! Não, você não está autorizado a comprar mais nada!”
“Mas e quando o meu netinho traz de presente algo do jardim de infância?”
“Você não está autorizado a pegar!”
O homem rico foi dizimado, mas ele ainda não tinha perdido. Uma ideia! Sim! Uma idéia!
“E quando eu quiser ir à Secessão para comprar uma pintura?” perguntou triunfante.
“Tente pendurá-la em algum lugar. Não vê que não há lugar para mais nada? Para cada pintura que pendurei aqui há uma moldura na parede. Você não pode mover nada. Experimente encaixar uma nova pintura!”
Então algo mudou dentro do homem rico. O homem feliz de repente sentiu-se profundamente triste. Viu sua vida futura. Ninguém seria autorizado a conceder-lhe alegria.
Ele teria que passar pelas lojas da cidade, perfeito, completo. Nada nunca mais seria feito para ele. Nenhum de seus entes queridos seria autorizado a dar-lhe uma pintura. Para ele, não poderia haver mais pintores, artistas, artesãos. Ele foi isolado da vida futura e de seus esforços, sua evolução, seus desejos. Ele sentiu: Agora é hora de aprender a andar com o próprio cadáver. Certamente ele está finalizado! Está completo!
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